Coluna do Flávio

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segunda-feira, 26 de julho de 2010

ADORNO E O FIM DA CULTURA

Expoente máximo da afamada “escola de Frankfurt”, Theodor Adorno (1903-69) foi juntamente com Horkheimer ou Walter Benjamin um dos maiores críticos da cultura dita industrial. Verdadeira muralha erguida pela sociedade capitalista ocidental, este paradigma de massificação acrítica da criação cultural, impedia(e) o fluxo da verdadeira estética artística, perpetuando um certo estado das coisas e contribuindo para o conformismo generalizado. Em suma, alimento máximo da passividade e apatia política das massas.

Na década de 50 do passado século, já Adorno notava a pujança do edifício capitalista que em muito contrariava as previsões que Marx passara para o papel no século anterior. Ao invés do declínio, o modelo social e cultural vigente entrincheirava-se “flandricamente” protegido da intempérie cultural pela criação de lugares comuns e pela estereotipia da produção artística. A Broadway numa fase inicial e posteriormente Hollywood alimentavam o sonho de milhões, entorpecendo o discernimento de todos os que à porta de teatros e cinemas faziam fila. Enquanto Marx e Engels modelaram teses de evolução social baseando-se em modelos puramente económicos, Adorno colocou total ênfase na importância da produção cultural como instrumento de mudança. A ferramenta de preservação do status quo enquanto agente duplo.

A cultural pop, num senso pré “warholiano”, é claramente identificada como a cenoura que arrasta multidões para a satisfação passiva e gradualmente incapacita as supracitadas massas para a análise e derrube do estado vigente. Roçando o ad nihili de Nietzsche, Adorno advoga a importância da estética emanada pela arte como combustível das necessárias lentes críticas de apreensão do mundo e do hoje. A cultura industrializada tomou o lugar das formas de arte elaboradas, e substituiu a virtude do ego pela virtude das lágrimas derramadas por uma qualquer Scarlet.

Perniciosa é igualmente a ilusão de falsas necessidades que são instigadas no povo (desculpa Carlos, não resisti ao termo vão e inócuo). Brotando de indústria (cultural) para indústria (de produção), o ciclo fecha-se e as aspirações materialistas substituem as verdadeiras motrizes da realização humana – liberdade, expressão verdadeira do potencial humano, genuína criatividade e felicidade. O fetichismo das commodities, promovido por uma imensurável máquina de marketing e de media, traduz-se na objectivação das relações e interdependências sociais em termos puramente monetários. Em suma, a posse de algo traduz-se num estado de felicidade aparente, determinado pelo valor económico atribuído ao objecto de posse.

A criação de moldes culturais, facilmente identificáveis com um mero olhar pela oferta cinematográfica, traduz-se no standardising da oferta cultural – a oferta é vasta, mas simultaneamente parca, similar e constitui o simples preenchimento de requisitos pré-formulados. Reflecte-se também na pseudo-individualização da oferta, gerando a sensação de diferenciação da oferta cultural, quando na realidade apenas se diferencia a oferta disponibilizada por detalhes insusceptíveis de alterar a essência da obra e do receptor da mensagem.
Enquanto insistimos em olhar para estas formas de exposição cultural como algo emocional ou até comovente, Adorno alarga horizontes e vê a catarse global que deles emerge. Choramos, rimos e até nos revoltamos com um qualquer filme de Eastwood (desculpa mais uma vez Carlos), todavia seguimos a nossa vidinha sem olharmos e analisarmos o mundo que nos rodeia.

Resumindo e transportando a visão de Adorno para os hodiernos tempos: a produção massificada a que todos assistimos nos diversos canais de expressão (TV, cinema, literatura, etc) afasta pessoas e retira o sal de espíritos críticos. Anestesiados pelo Dr House, não questionamos as raízes da nossa insatisfação. Desligamos a caixinha que sedou o mundo e amanhã recomeçamos a estória dos que não viveram.



Theodor Adorno, filósofo e sociólogo alemão, projetou-se como um dos críticos mais ácidos dos modernos meios de comunicação de massa. Ao exilar-se nos Estados Unidos, entre 1938 e 1946, percebeu que a mídia não se voltava apenas para suprir as horas de lazer ou dar informações aos seus ouvintes ou espectadores, mas fazia parte do que ele chamou de industria cultural. Um imenso maquinismo composto por milhares de aparelhos de transmissão e difusão que visava produzir e reproduzir um clima conformista e dócil na multidão passiva.

Colaborador: Daniel Martins e Flávio Ribeiro
Site: http://www.sabado.pt/Blogues/Blog-de-Esquerda.aspx


OBRAS PRINCIPAIS DE ADORNO




1933 - Kierkegaard. Konstruktion des Ästhetischen (Kierkegaard, a construção da estética)
1947 - Dialektik der Aufklärung. Philosophische Fragmente (A dialética do esclarecimento. Filosofia em fragmento), com Max Horkheimer)
1949 - Philosophie der neuen Musik (A filosofia da nova música)
1950 - The Authoritarian Personality (A personalidade autoritária) juntamente com E. Frenkel-Brunswik, D. J. Levinson e R. N. Sanford)
1951 - Minima Moralia. (Mínima morália)
1956 - Zur Metakritik der Erkenntnistheorie. (Sobre a metacrítica da teoria do conhecimento)
1967 - Negative Dialektik (Dialética negativa)
1970 - Ästhetische Theorie (Teoria estética)
1971 - Soziologische Schriften (Escritos sociológicos)








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